Sexta-feira, o sol já nasceu. Minha esposa não preparou o pequeno-almoço, pois, apesar de eu ter três empregos, nenhum deles pagou meu salário ainda.
Hoje é o dia de encarnar as vestes de Professor, pois apenas duas vezes por semana eu dou aulas. É fase de provas. Já preparei aquela prova que foi elaborada dez anos atrás, por um professor que nem eu sei quem é. Eu não me importo se eles entendem as matérias, o mais importante é que saibam resolver as provas. A nota vale mais, serve para embelezar o certificado.
Não é que eu não goste de elaborar provas, é que eu simplesmente não tenho tempo e paciência para sentar, elaborar a prova e a chave das respostas, principalmente pelo facto de eu também não ter total certeza da matéria que ando a leccionar. Eu aprendi apenas na teoria, a prática não tenho. Uso a minha posição de poder para evitar que alunos me façam frente. Eu sei, e ponto. Nunca estou errado e, se alguém disser o contrário, vai já p’ra rua e só volta com o encarregado de educação e com um título de indisciplinado.
Nesta fase de provas, eu aproveito para fazer o que não podia fazer noutras fases. A aluna mais linda já tem o meu contacto telefónico. Os alunos mais burros já têm o meu número de conta, mas nem precisam ser burros, basta eu querer, sabem como funciona. Ela passa uma noite comigo e um 10 ela terá na pauta. Os rapazes sabem os valores mínimos de pagamento.
Não é culpa minha. Culpo a escola que paga um péssimo salário e, como se não bastasse, ainda atrasa. O Estado também tem sua parcela de culpa, pois não gerou empregos que paguem o que eu preciso ou o que seja suficiente para pessoas com o meu nível de formação. E eu nem sei se existe alguma quantia em dinheiro que seja suficiente para alguém, porque, se houvesse, os ricos não lutariam para ser milionários, os milionários não se esforçariam para serem bilionários, e assim por diante. Então eu me vingo cobrando dos alunos.
Eu nem gosto dessa coisa de ensinar e aturar filhos alheios que saem mal-educados de casa e eu que tenho de educá-los. Só continuo aqui porque preciso pagar as contas. Meus filhos também estudam e a renda da casa já está atrasada. Meus filhos estudam em colégios que não conseguiria pagar com apenas um salário, não há vagas nas escolas do Estado.
Eu chego atrasado em dias de aulas, mas saio antes de o sino tocar. Eles parecem gostar, por isso continuo fazendo. Preparar aulas é algo que raramente faço, vivo do improviso. Dito a mesma matéria há cinco anos e nunca actualizei, até os erros são os mesmos e nem me importo.
Durante as explicações, se me esqueço de alguma coisa, eu simplesmente fujo ao assunto. Perguntas das quais eu não saiba a resposta, obrigo os alunos a pesquisar, dizendo com arrogância:
“Isso é algo que vocês deveriam ter aprendido desde a base.”
Quando não preparo aulas, passo o tempo todo contando histórias da minha vida, falando de coisas totalmente fora da matéria e que nem sempre são verdades.
Fazer os alunos sofrer é uma grande fonte de prazer para mim. Eles pagam pelo que meus professores fizeram comigo. Mesmo sabendo, eu os faço deixar cadeiras em atraso. Mal corrijo suas provas. Suas notas vêm de uma loteria que eu mesmo criei.
Os alunos também contribuem. Não investigam, contentam-se com a matéria copiada que deixo. Valorizam mais a nota do que o aprendizado em si. Aceitam qualquer coisa vinda de mim, pensando que sou o detentor da sabedoria. Em breve, serão mais alguns na lista de reprodutores de conhecimentos de autores do século XX. Decoram matérias de escritores que já morreram, mas não conseguem criar soluções para problemas actuais.
A direcção da escola nada pode fazer, porque também é composta por pessoas que não estão trabalhando nas suas áreas de formação. Como eu, há muitos espalhados em várias escolas, colégios e universidades desse nosso lindo e rico país. Professores formados em História leccionando Matemática; formados em Economia leccionando Física ou Biologia. Como eu, há muitos.
Mas eu me considero um exemplo.
Eu, que formo o futuro de Angola.
Sexta-feira, o sol já nasceu. Minha esposa não preparou o pequeno-almoço, pois, apesar de eu ter três empregos, nenhum deles pagou meu salário ainda.
Hoje é o dia de encarnar as vestes de Professor, pois apenas duas vezes por semana eu dou aulas. É fase de provas. Já preparei aquela prova que foi elaborada dez anos atrás, por um professor que nem eu sei quem é. Eu não me importo se eles entendem as matérias, o mais importante é que saibam resolver as provas. A nota vale mais, serve para embelezar o certificado.
Não é que eu não goste de elaborar provas, é que eu simplesmente não tenho tempo e paciência para sentar, elaborar a prova e a chave das respostas, principalmente pelo facto de eu também não ter total certeza da matéria que ando a leccionar. Eu aprendi apenas na teoria, a prática não tenho. Uso a minha posição de poder para evitar que alunos me façam frente. Eu sei, e ponto. Nunca estou errado e, se alguém disser o contrário, vai já p’ra rua e só volta com o encarregado de educação e com um título de indisciplinado.
Nesta fase de provas, eu aproveito para fazer o que não podia fazer noutras fases. A aluna mais linda já tem o meu contacto telefónico. Os alunos mais burros já têm o meu número de conta, mas nem precisam ser burros, basta eu querer, sabem como funciona. Ela passa uma noite comigo e um 10 ela terá na pauta. Os rapazes sabem os valores mínimos de pagamento.
Não é culpa minha. Culpo a escola que paga um péssimo salário e, como se não bastasse, ainda atrasa. O Estado também tem sua parcela de culpa, pois não gerou empregos que paguem o que eu preciso ou o que seja suficiente para pessoas com o meu nível de formação. E eu nem sei se existe alguma quantia em dinheiro que seja suficiente para alguém, porque, se houvesse, os ricos não lutariam para ser milionários, os milionários não se esforçariam para serem bilionários, e assim por diante. Então eu me vingo cobrando dos alunos.
Eu nem gosto dessa coisa de ensinar e aturar filhos alheios que saem mal-educados de casa e eu que tenho de educá-los. Só continuo aqui porque preciso pagar as contas. Meus filhos também estudam e a renda da casa já está atrasada. Meus filhos estudam em colégios que não conseguiria pagar com apenas um salário, não há vagas nas escolas do Estado.
Eu chego atrasado em dias de aulas, mas saio antes de o sino tocar. Eles parecem gostar, por isso continuo fazendo. Preparar aulas é algo que raramente faço, vivo do improviso. Dito a mesma matéria há cinco anos e nunca actualizei, até os erros são os mesmos e nem me importo.
Durante as explicações, se me esqueço de alguma coisa, eu simplesmente fujo ao assunto. Perguntas das quais eu não saiba a resposta, obrigo os alunos a pesquisar, dizendo com arrogância:
“Isso é algo que vocês deveriam ter aprendido desde a base.”
Quando não preparo aulas, passo o tempo todo contando histórias da minha vida, falando de coisas totalmente fora da matéria e que nem sempre são verdades.
Fazer os alunos sofrer é uma grande fonte de prazer para mim. Eles pagam pelo que meus professores fizeram comigo. Mesmo sabendo, eu os faço deixar cadeiras em atraso. Mal corrijo suas provas. Suas notas vêm de uma loteria que eu mesmo criei.
Os alunos também contribuem. Não investigam, contentam-se com a matéria copiada que deixo. Valorizam mais a nota do que o aprendizado em si. Aceitam qualquer coisa vinda de mim, pensando que sou o detentor da sabedoria. Em breve, serão mais alguns na lista de reprodutores de conhecimentos de autores do século XX. Decoram matérias de escritores que já morreram, mas não conseguem criar soluções para problemas actuais.
A direcção da escola nada pode fazer, porque também é composta por pessoas que não estão trabalhando nas suas áreas de formação. Como eu, há muitos espalhados em várias escolas, colégios e universidades desse nosso lindo e rico país. Professores formados em História leccionando Matemática; formados em Economia leccionando Física ou Biologia. Como eu, há muitos.
Mas eu me considero um exemplo.
Eu, que formo o futuro de Angola.