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Dia Mundial das Bibliotecas: Celebração em meio à ausência de investimentos

Dia Mundial das Bibliotecas: Celebração em meio à ausência de investimentos
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Hoje assinala-se o Dia Mundial das Bibliotecas, uma efeméride instituída pela UNESCO, em 1997, para reconhecer o papel destes espaços na promoção da literacia, do pensamento crítico e do acesso democrático à informação. Mas que sentido faz esta celebração num país onde a maioria das escolas públicas não tem sequer uma biblioteca funcional?

Em Angola, os desafios são gritantes: milhões de cidadãos continuam excluídos da literacia plena; há escolas sem livros, crianças que crescem sem o hábito da leitura e comunidades inteiras onde a única “biblioteca” é um telemóvel com dados móveis limitados. Nesta realidade, a imagem da biblioteca como ponte para o saber torna-se uma promessa adiada, tantas vezes esquecida.

Apesar da sua importância para o desenvolvimento, as bibliotecas continuam ausentes das prioridades do Estado. Ignoradas pelas políticas públicas de educação e cultura, são estruturas que raramente entram nos orçamentos ou nos discursos. A falta de bibliotecas contribui para o fracasso escolar, agrava a exclusão digital e aprofunda desigualdades de base cognitiva.

O país dispõe de cerca de 40 bibliotecas públicas, uma por quase um milhão de habitantes. Em Luanda, apenas oito estão oficialmente em funcionamento, e três destas encontram-se encerradas. Em algumas províncias, o retrato é desolador: no Icolo-Bengo, por exemplo, a biblioteca provincial está fechada há mais de quatro anos e cerca de dois mil livros do seu acervo sofreram danos causados por infiltrações.

A Biblioteca Nacional, em Luanda, alberga um acervo de aproximadamente 100 mil títulos, mas conta apenas com 16 funcionários, quando o quadro aprovado prevê 78. Mesmo considerando um cenário mínimo, o número actual não chega sequer a 40% do necessário. Noutros pontos do país, a carência de técnicos qualificados é uma constante, agravada pela falta de formação contínua e de condições para novas contratações.

Muitos acervos estão desactualizados, com livros desfasados da realidade actual e sem autonomia para aquisição de novas obras. O envio de remessas bibliográficas depende exclusivamente do Governo central, o que impede respostas às necessidades dos leitores. A falta de Internet limita também o acesso a conteúdos digitais. Em Cuanza-Sul, por exemplo, a sala digital da biblioteca está desactivada há anos por falta de banda larga.

Apesar do cenário, há sinais de resistência. O número de leitores registados nas bibliotecas públicas passou de cerca de 117 mil em 2018 para mais de 215 mil em 2023, um crescimento que revela um interesse persistente e até crescente, pela leitura. Têm surgido bibliotecas comunitárias, sobretudo em bairros periféricos de Luanda, como no Sambizanga, onde moradores, activistas e associações criam espaços de leitura com meios próprios. Também iniciativas como as “Bibliotecas do Kandengue”, promovidas pela Fundação BAI, têm levado livros a escolas e comunidades, funcionando como alternativa onde o Estado se ausenta.

Mas esses exemplos não devem servir para encobrir o abandono estrutural. Angola precisa de bibliotecas em cada bairro, em cada escola, com edifícios dignos, acesso a livros e a tecnologias, e profissionais capacitados. É urgente que as administrações municipais se envolvam, que o Estado financie, e que a sociedade reconheça a centralidade destes espaços na formação de cidadãos conscientes.

Celebrar o Dia Mundial das Bibliotecas em Angola implica mais do que frases bonitas, exige compromisso político, investimento real e vontade de transformação. Não há literacia sem acesso regular ao texto; não há cidadania crítica sem ferramentas para pensar.

Os poucos profissionais que mantêm bibliotecas activas fazem-no com esforço hercúleo e recursos escassos. São eles que, contra a maré da indiferença, continuam a abrir portas para o mundo do conhecimento mesmo quando quase ninguém repara.

Neste dia, não basta honrar o livro ou o leitor. É preciso denunciar o vazio onde deveria haver bibliotecas e exigir que estes espaços deixem de ser excepção e se tornem regra. Porque onde não há uma biblioteca, há um futuro comprometido.

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Redacção

Hoje assinala-se o Dia Mundial das Bibliotecas, uma efeméride instituída pela UNESCO, em 1997, para reconhecer o papel destes espaços na promoção da literacia, do pensamento crítico e do acesso democrático à informação. Mas que sentido faz esta celebração num país onde a maioria das escolas públicas não tem sequer uma biblioteca funcional?

Em Angola, os desafios são gritantes: milhões de cidadãos continuam excluídos da literacia plena; há escolas sem livros, crianças que crescem sem o hábito da leitura e comunidades inteiras onde a única “biblioteca” é um telemóvel com dados móveis limitados. Nesta realidade, a imagem da biblioteca como ponte para o saber torna-se uma promessa adiada, tantas vezes esquecida.

Apesar da sua importância para o desenvolvimento, as bibliotecas continuam ausentes das prioridades do Estado. Ignoradas pelas políticas públicas de educação e cultura, são estruturas que raramente entram nos orçamentos ou nos discursos. A falta de bibliotecas contribui para o fracasso escolar, agrava a exclusão digital e aprofunda desigualdades de base cognitiva.

O país dispõe de cerca de 40 bibliotecas públicas, uma por quase um milhão de habitantes. Em Luanda, apenas oito estão oficialmente em funcionamento, e três destas encontram-se encerradas. Em algumas províncias, o retrato é desolador: no Icolo-Bengo, por exemplo, a biblioteca provincial está fechada há mais de quatro anos e cerca de dois mil livros do seu acervo sofreram danos causados por infiltrações.

A Biblioteca Nacional, em Luanda, alberga um acervo de aproximadamente 100 mil títulos, mas conta apenas com 16 funcionários, quando o quadro aprovado prevê 78. Mesmo considerando um cenário mínimo, o número actual não chega sequer a 40% do necessário. Noutros pontos do país, a carência de técnicos qualificados é uma constante, agravada pela falta de formação contínua e de condições para novas contratações.

Muitos acervos estão desactualizados, com livros desfasados da realidade actual e sem autonomia para aquisição de novas obras. O envio de remessas bibliográficas depende exclusivamente do Governo central, o que impede respostas às necessidades dos leitores. A falta de Internet limita também o acesso a conteúdos digitais. Em Cuanza-Sul, por exemplo, a sala digital da biblioteca está desactivada há anos por falta de banda larga.

Apesar do cenário, há sinais de resistência. O número de leitores registados nas bibliotecas públicas passou de cerca de 117 mil em 2018 para mais de 215 mil em 2023, um crescimento que revela um interesse persistente e até crescente, pela leitura. Têm surgido bibliotecas comunitárias, sobretudo em bairros periféricos de Luanda, como no Sambizanga, onde moradores, activistas e associações criam espaços de leitura com meios próprios. Também iniciativas como as “Bibliotecas do Kandengue”, promovidas pela Fundação BAI, têm levado livros a escolas e comunidades, funcionando como alternativa onde o Estado se ausenta.

Mas esses exemplos não devem servir para encobrir o abandono estrutural. Angola precisa de bibliotecas em cada bairro, em cada escola, com edifícios dignos, acesso a livros e a tecnologias, e profissionais capacitados. É urgente que as administrações municipais se envolvam, que o Estado financie, e que a sociedade reconheça a centralidade destes espaços na formação de cidadãos conscientes.

Celebrar o Dia Mundial das Bibliotecas em Angola implica mais do que frases bonitas, exige compromisso político, investimento real e vontade de transformação. Não há literacia sem acesso regular ao texto; não há cidadania crítica sem ferramentas para pensar.

Os poucos profissionais que mantêm bibliotecas activas fazem-no com esforço hercúleo e recursos escassos. São eles que, contra a maré da indiferença, continuam a abrir portas para o mundo do conhecimento mesmo quando quase ninguém repara.

Neste dia, não basta honrar o livro ou o leitor. É preciso denunciar o vazio onde deveria haver bibliotecas e exigir que estes espaços deixem de ser excepção e se tornem regra. Porque onde não há uma biblioteca, há um futuro comprometido.

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