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“Há uma dificuldade muito grande de se lidar com a educação”, considera Israel Campos

“Há uma dificuldade muito grande de se lidar com a educação”, considera Israel Campos
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Andrade Lino

O jornalista angolano Israel Campos considera haver “realmente” uma dificuldade muito grande de se lidar com a questão da educação e até na formação da consciência nova, acreditando haver, ainda nesse contexto, “um céu cinzento difícil de ser lido ou interpretado”.

O também escritor, que terminou há pouco a turné do seu romance “E o Céu Mudou de Cor” por Luanda, vem de uma família que tem paixão pela literatura, cujo pai teve sempre uma biblioteca em casa, sempre houve livros e foi durante essa altura que aproveitou massificar esse gosto pela literatura e sempre foi lendo livros de vários autores, até os que eram tidos como de adultos, afirmou que há sempre uma tentativa na sociedade de se afastar as crianças do mundo real, dizendo que há coisas de adultos e há coisas de crianças, afastar as crianças do mundo real da política, da sociedade e pensar na frase “Xé menino, não fala política!”, pois entende que as questões políticas do país afectam todo mundo de forma transversal.

“É claro que são os adultos as pessoas com responsabilidade, que têm de lidar com esse problema, mas uma criança ou um adolescente é igualmente impactado por uma crise económica. Há um impacto criado na vida daquela criança, então eu advogo que é preciso falar do país, falar os problemas do país para as crianças, para os jovens, desde muito cedo incentivá-los a falarem, a serem participes”, ressaltou Israel, que falava em entrevista ao Taça Cheia, programa conduzido pelo também jornalista Sebastião Vemba, na Rádio Essencial, continuando que “há uma iniciativa do Ministério das Finanças que é ter o OGE participativo, onde as pessoas nas comunidades possam contribuir para o Orçamento do Estado” e sua ideia sobre isso é que não se criam as pessoas participativas quando elas são adulta, havendo a necessidade de se fazer uma consciencialização a partir de uma idade mais nova.

Muito novo, iniciou-se como radialista e pivô do programa infantil Kaluanda Pió, da Rádio Nacional de Angola. Os livros sempre estiveram presentes durante a sua infância, sobretudo durante a sua carreira, que foi aos 12, 13 anos, onde começou a entender o poder que eles tinham e costumava levar os temas para os seus ouvintes, que não eram não só os kandengues, mas haviam pais nostálgicos, dos anos 80, 90, uma altura em que se produziu muita literatura infantil, sendo que a ideia era ler muitos livros e arquivos para haver conteúdos para o programa. Essa fase, considera o convidado, foi muito importante para o seu crescimento.

Mas como afirmou anteriormente, o processo de consciencialização deve ser feito a partir de tenra idade. “Defendo que nós falemos o país para todos. Claro que as linguagens vão ser diferentes, mas eu defendo essa democratização, esse acesso generalizado da informação do país. Vamos falar sobre economia, vamos criar uma situação, um contexto em que os jovens se sintam bem em participar e não se sintam inibidos”, exortou.

Questionado sobre a sua passagem pela Rádio Luanda em 2021, o interlocutor disse que um dos argumentos utilizados por alguém que tinha responsabilidade na altura na Rádio Nacional é que ele usava o espaço que tinha para projectar a mensagem que o seu pai lhe dava, um argumento que foi dito de forma pública. “Já fui acusado várias vezes porque não se consegue numa sociedade como a nossa entender que um menino tão novo possa falar sobre o país, possa se sentir tão à vontade para questionar o poder. É ainda uma ideia que as pessoas têm dificuldade em processar”, desabafou.

Sobre ser activista e ao mesmo tempo estudante universitário, o entrevistado afirmou que, por ter começado a trabalhar muito cedo, “já há muito tempo” que tem essa vida dupla, que é trabalhar e estudar, e desde então a sua vida tem sido essa. “É claro que na universidade, à dada altura, eu sentia algumas dificuldades por questões de agenda, a academia requer tempo, não é só uma coisa que se senta e se faz provas. A minha licenciatura foi bastante prática. Eu precisava muito tempo para apresentar trabalhos e tive algumas dificuldades, mas também a felicidade de ter um bom grupo de amigos que me apoiava”, partilhou.

Entretanto, sobre o seu primeiro livro, Israel Campos fez saber que as suas primeiras linhas surgem na Inglaterra. “Quando cheguei, fui para uma cidade muito pequena e muito fria, onde não conhecia ninguém, não entendia nada. Foi realmente uma fase da minha vida que eu estava me perguntar: “O quê que eu estou aqui a fazer? Sempre que voltasse para casa eu sentia saudades de voltar para Angola e a forma que eu encontrei de lidar com aquilo foi escrever”, explicou o autor, que contou gostar de estar em actividade e acha que a escrita foi sempre um bom mecanismo para lidar com essa vontade que tem de falar e de se expressar.

“Quanto mais longe de casa, mais saudades nós temos e mais interesse em acompanhar as coisas e analisar, aumentar o nosso sentimento de pertença. Nós queremos ter uma identidade, nós queremos dizer que somos de algum lugar. Quando se está num país diferente, há uma necessidade constante de se reafirmar porque os outros vão questionar a sua identidade, por isso é que algumas pessoas dizem que se descobrem negros quando vão para o ocidente”, argumentou.

Num outro diapasão, questionado sobre o assunto, o jornalista diz não entender para onde vamos, “porque geralmente um dos pilares de uma governação de um país é o objectivo”, que é preciso ter a sério, cumprido a longo prazo. “É preciso que se pense no país com o que se quer ter daqui a 10 anos, por exemplo, e todos os esforços que se fazem é com o objectivo de se alcançar alguma coisa”, precisou, lamentando ainda que “não se consegue perceber qual é a perspectiva de quem governa Angola hoje tem para o futuro”.

“A desigualdade é uma questão que afecta todos num país como o nosso. Apenas um grupo de pessoas é que tem a possibilidade financeira e maior parte das pessoas não tem, mas anda nas mesmas estradas. Nós vivemos de cuidados paliativos, quando na verdade temos problemas graves e que devem ser tratados o mais rápido possível”, deplorou.

A obra apresenta um ambiente conhecido. As ruas na memória da sua infância e as vivências continuam válidas. Como escreveu Alexandra Simeão, que prefaciou o livro, “a dureza da vida no bairro, comparada com a abundância da Cidade Baixa, símbolo do poder que aqui é classificada como “baixa” pela ausência de valores, de princípios e de discernimento. Esta ironia, retratada com um inteligente sentido de humor, desvaloriza a grandeza sem mérito, mostrando que em 2022 o céu está cinzento, com muito nevoeiro e sem que o povo consiga ver genialidade política que permita acreditar que o actual modelo seja capaz de fazer nascer a felicidade colectiva assente no recado da tia Antónia de que “a luta é uma continuidade”.

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Rodeth Dos Anjos

Repórter

Licenciada em Ciências da Comunicação, Rodeth é mestre de cerimónias e fazedora de música ao vivo, tendo já trabalhado como educadora infantil e, entre outras valências profissionais, desenvolvido habilidades na área de reportagem.

O jornalista angolano Israel Campos considera haver “realmente” uma dificuldade muito grande de se lidar com a questão da educação e até na formação da consciência nova, acreditando haver, ainda nesse contexto, “um céu cinzento difícil de ser lido ou interpretado”.

O também escritor, que terminou há pouco a turné do seu romance “E o Céu Mudou de Cor” por Luanda, vem de uma família que tem paixão pela literatura, cujo pai teve sempre uma biblioteca em casa, sempre houve livros e foi durante essa altura que aproveitou massificar esse gosto pela literatura e sempre foi lendo livros de vários autores, até os que eram tidos como de adultos, afirmou que há sempre uma tentativa na sociedade de se afastar as crianças do mundo real, dizendo que há coisas de adultos e há coisas de crianças, afastar as crianças do mundo real da política, da sociedade e pensar na frase “Xé menino, não fala política!”, pois entende que as questões políticas do país afectam todo mundo de forma transversal.

“É claro que são os adultos as pessoas com responsabilidade, que têm de lidar com esse problema, mas uma criança ou um adolescente é igualmente impactado por uma crise económica. Há um impacto criado na vida daquela criança, então eu advogo que é preciso falar do país, falar os problemas do país para as crianças, para os jovens, desde muito cedo incentivá-los a falarem, a serem participes”, ressaltou Israel, que falava em entrevista ao Taça Cheia, programa conduzido pelo também jornalista Sebastião Vemba, na Rádio Essencial, continuando que “há uma iniciativa do Ministério das Finanças que é ter o OGE participativo, onde as pessoas nas comunidades possam contribuir para o Orçamento do Estado” e sua ideia sobre isso é que não se criam as pessoas participativas quando elas são adulta, havendo a necessidade de se fazer uma consciencialização a partir de uma idade mais nova.

Muito novo, iniciou-se como radialista e pivô do programa infantil Kaluanda Pió, da Rádio Nacional de Angola. Os livros sempre estiveram presentes durante a sua infância, sobretudo durante a sua carreira, que foi aos 12, 13 anos, onde começou a entender o poder que eles tinham e costumava levar os temas para os seus ouvintes, que não eram não só os kandengues, mas haviam pais nostálgicos, dos anos 80, 90, uma altura em que se produziu muita literatura infantil, sendo que a ideia era ler muitos livros e arquivos para haver conteúdos para o programa. Essa fase, considera o convidado, foi muito importante para o seu crescimento.

Mas como afirmou anteriormente, o processo de consciencialização deve ser feito a partir de tenra idade. “Defendo que nós falemos o país para todos. Claro que as linguagens vão ser diferentes, mas eu defendo essa democratização, esse acesso generalizado da informação do país. Vamos falar sobre economia, vamos criar uma situação, um contexto em que os jovens se sintam bem em participar e não se sintam inibidos”, exortou.

Questionado sobre a sua passagem pela Rádio Luanda em 2021, o interlocutor disse que um dos argumentos utilizados por alguém que tinha responsabilidade na altura na Rádio Nacional é que ele usava o espaço que tinha para projectar a mensagem que o seu pai lhe dava, um argumento que foi dito de forma pública. “Já fui acusado várias vezes porque não se consegue numa sociedade como a nossa entender que um menino tão novo possa falar sobre o país, possa se sentir tão à vontade para questionar o poder. É ainda uma ideia que as pessoas têm dificuldade em processar”, desabafou.

Sobre ser activista e ao mesmo tempo estudante universitário, o entrevistado afirmou que, por ter começado a trabalhar muito cedo, “já há muito tempo” que tem essa vida dupla, que é trabalhar e estudar, e desde então a sua vida tem sido essa. “É claro que na universidade, à dada altura, eu sentia algumas dificuldades por questões de agenda, a academia requer tempo, não é só uma coisa que se senta e se faz provas. A minha licenciatura foi bastante prática. Eu precisava muito tempo para apresentar trabalhos e tive algumas dificuldades, mas também a felicidade de ter um bom grupo de amigos que me apoiava”, partilhou.

Entretanto, sobre o seu primeiro livro, Israel Campos fez saber que as suas primeiras linhas surgem na Inglaterra. “Quando cheguei, fui para uma cidade muito pequena e muito fria, onde não conhecia ninguém, não entendia nada. Foi realmente uma fase da minha vida que eu estava me perguntar: “O quê que eu estou aqui a fazer? Sempre que voltasse para casa eu sentia saudades de voltar para Angola e a forma que eu encontrei de lidar com aquilo foi escrever”, explicou o autor, que contou gostar de estar em actividade e acha que a escrita foi sempre um bom mecanismo para lidar com essa vontade que tem de falar e de se expressar.

“Quanto mais longe de casa, mais saudades nós temos e mais interesse em acompanhar as coisas e analisar, aumentar o nosso sentimento de pertença. Nós queremos ter uma identidade, nós queremos dizer que somos de algum lugar. Quando se está num país diferente, há uma necessidade constante de se reafirmar porque os outros vão questionar a sua identidade, por isso é que algumas pessoas dizem que se descobrem negros quando vão para o ocidente”, argumentou.

Num outro diapasão, questionado sobre o assunto, o jornalista diz não entender para onde vamos, “porque geralmente um dos pilares de uma governação de um país é o objectivo”, que é preciso ter a sério, cumprido a longo prazo. “É preciso que se pense no país com o que se quer ter daqui a 10 anos, por exemplo, e todos os esforços que se fazem é com o objectivo de se alcançar alguma coisa”, precisou, lamentando ainda que “não se consegue perceber qual é a perspectiva de quem governa Angola hoje tem para o futuro”.

“A desigualdade é uma questão que afecta todos num país como o nosso. Apenas um grupo de pessoas é que tem a possibilidade financeira e maior parte das pessoas não tem, mas anda nas mesmas estradas. Nós vivemos de cuidados paliativos, quando na verdade temos problemas graves e que devem ser tratados o mais rápido possível”, deplorou.

A obra apresenta um ambiente conhecido. As ruas na memória da sua infância e as vivências continuam válidas. Como escreveu Alexandra Simeão, que prefaciou o livro, “a dureza da vida no bairro, comparada com a abundância da Cidade Baixa, símbolo do poder que aqui é classificada como “baixa” pela ausência de valores, de princípios e de discernimento. Esta ironia, retratada com um inteligente sentido de humor, desvaloriza a grandeza sem mérito, mostrando que em 2022 o céu está cinzento, com muito nevoeiro e sem que o povo consiga ver genialidade política que permita acreditar que o actual modelo seja capaz de fazer nascer a felicidade colectiva assente no recado da tia Antónia de que “a luta é uma continuidade”.

Rodeth Dos Anjos

Repórter

Licenciada em Ciências da Comunicação, Rodeth é mestre de cerimónias e fazedora de música ao vivo, tendo já trabalhado como educadora infantil e, entre outras valências profissionais, desenvolvido habilidades na área de reportagem.

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