O cantor angolano Walter Ananaz, que se figura grande defensor da música cultural angolana, defendeu recentemente que a arte é livre, “mas nós precisamos acoplá-la à ciência, por causa das regras que ela tem e que muitas delas são necessárias”, tendo referido que “é como as sociedades, não podemos andar no sentido contrário, há regra para tudo na vida”.
Falando como convidado do programa Taça Cheia, da Rádio Essencial, 96.1 FM, dirigido pelo jornalista Sebastião Vemba, o ex-membro do saudoso grupo N´Sexy Love, actuante nos anos 90, disse ser de uma família “mesmo musical”, e artística. “Eu acho que essa espiritualidade artística constitui a nossa riqueza, porque a arte é intelectual por excelência, porque é algo que nem todos podem fazer. E é algo que qualquer um pode consumir, sejam doutores ou quem não estudou coisa alguma. Todos esses elementos podem alcançar alguém, seja conhecedor da arte na sua maior abrangência, sua naturalidade, ou ligado à ciência”, explicou, revelando logo que os seus filhos cantam, embora não tenham pretensão de levar a música de forma profissional, mas “todos eles cantam”, além de terem outras habilidades, como desenhar, etc.
A música, como sendo um elemento muito forte de identidade e principalmente identidade do ponto de vista de patriotismo, o artista considera que muitos músicos têm actuado nesse sentido. “Porque os músicos, tirando um ou outro, alguns conseguem os seus apoios e isso é da vida”, declarou, pese embora acredite ser necessário encontrar elementos para se criar uma indústria como tal.
“Infelizmente, não é assim. Ainda tens de bater a porta aqui, apelar aos patrocinadores, etc., embora hoje tenha mudado um pouquinho, com muitas marcas hoje de bebidas, de empresas telefónicas, os bancos que também vão apoiando a cultura de alguma forma, vão-se juntando. Mas isso devia ter uma regra, haver investidores culturais, quer para a música, quer para o teatro, quer para o cinema. Se vires, tu não conheces muitos dançarinos famosos em Angola, mas nós temos pessoas que dançam a sério. Por que é que elas não são figuras? Porque elas não ganham, não sobrevivem com a dança, a dança tem que ser hobby. E isso, de alguma forma, também nos entristece”, lamentou.
No tocante à música, o cantor disse que é só olhar para as produtoras para ver o que acontece. Os músicos que fazem parte delas não conseguem ter um outro tipo de independência, é só saírem da produtora que eles não conseguem andar, “ou a produtora está atrás de ti para te deixar cair”, deplorou, tendo considerado que são essas coisas de que o país não precisa.
“Outro problema que me deixa também triste, posso manifestar aqui. Nós tínhamos conseguido vencer essa luta há algum tempo, há cerca de 17, 18 anos, em que nós começamos a consumir, aí finais de 90, princípio de 2000, muita música angolana. Hoje eu vejo que isso se inverteu”, apontou. Apesar do advento das redes sociais, que faz com que a música chegue aos telemóveis e cada um escolha o que ouvir, Walter entende que na sua casa cada um seja livre de ouvir o que quer, “mas a rádio tem que corroborar para preservar aquela que é a nossa essência”.
“A rádio tem que desempenhar esse papel, que eu posso dizer, cultural e patriótico. Defender aquilo que é nosso. Não existe um povo sem cultura, é um povo sem noção, é fraco. É como eu digo, eu não posso gostar mais da mãe do outro do que a minha mãe. Aqui tu abres uma rádio e está a tocar música brasileira. Se não for brasileira, é antilhana ou um house sul-africano. E nós já temos muita produção aqui. A nível de Hip-Hop temos muitos discos. Às vezes vão buscar músicas antilhanas de 85, 82, 83, de 89, mas nós também temos músicas de Carlos Burity desses anos, também temos músicas do kota Lamartine. Dos anos 90 temos os Versáteis, Ângelo Boss, Dom Kikas, etc. Somos muitos, Eduardo Paim, Paulo Flores, Bonga, Yuri da Cunha, e se for para os anos 2000, também temos outros, como os Kalibrados e Anselmo. Nós temos as nossas coisas, os nossos actores. Temos Ary, Yola Semedo, Matias Damásio, Mago de Sousa. Somos muitos hoje a fazer isso”, argumentou, tendo questionado então por que tem de ouvir uma rádio onde “de repente” tem, num programa de duas horas, uma hora de música estrangeira.
Adiante, o interlocutor disse que não pode ver isso, “nem pode ser só o problema do director do programa, ou coisa parecida”, mas “é consciência de quem vai tocar, porque hoje em dia, infelizmente, cada um dos jornalistas, locutores, ou DJs, nos imprimem aquilo que eles gostam em particular”, sendo que as rádios não têm, “como lá fora, compromisso com as produtoras”, onde essas pagam, porque vendem. “Não é o nosso caso. A rádio é do país. Vai para o Brasil e depois vem para aqui e me diz quantas músicas angolanas hás-de ouvir”, alertou.
Questionado sobre se acredita ser possível ou não viver só da música, o também ex-membro do agrupamento O2 defendeu não ser impossível, acreditando que há quem viva só da música e consiga de alguma forma, com muito esforço. Mas falando propriamente da nossa realidade, citou, por exemplo, que se não forem os festivais agora que a Unitel faz, não há shows aqui. “Tu não tens uma indústria, um mercado, como dizem. As pessoas não percebem. Muitas, quando começam a bater um bocado, sentem-se famosas e estão a ganhar algum dinheiro, compreendem que está tudo bem no mercado. Não se faz assim. Não se faz mercado com meia-dúzia de pessoas. Uma indústria funciona com centenas de pessoas. Tem que haver um investimento. Primeiro tem que ter acesso ao crédito. Tem que haver empresas que trabalham propriamente com cultura. Tem que haver motivação política culturalmente”, abordou, entendendo que assim como se investe no ramo das pescas, da indústria, deve-se investir na cultura, “que emprega tanta gente quanto as outras áreas”, embora reconhecendo a colagem política e até certo ponto partidária que existe.
Sobre isso, o autor de “Perdição” disse haver alguma melhoria a cada dia que passa, “porque a nossa democracia também é nova”. “Ela já começa a engatinhar. Acho que, aliás, já está em pé, está a andar, está em curso. Mas há-de levar algum tempo. A gente precisa trabalhar muito, no sentido de o mais rapidamente suplantarmos isso. Mas é como eu disse há pouco tempo. Vai levar o seu tempo. Isso é como a escravidão, os resquícios existem. As pessoas dizem que a escravidão passou há muito tempo, mas os resquícios estão aí. Muitos pretos não gostam dos pretos. No entanto, isso foi semeado lá. E a gente vê quando tu viajas, à dada altura, tu vais sofrer racismo em qualquer país se não tiveres muita sorte”, lamentou.
Noutro diapasão, o convidado considerou duvidosa a internacionalização dos músicos angolanos, sendo que cá, quando se toca no assunto, fala-se de Moçambique ou Portugal. “Os nossos problemas não diferem muito. Os nossos irmãos moçambicanos também estão a lutar, e a luta é parecida. Os artistas portugueses também estão a lutar e a luta é parecida. É um pouco daquela mentalidade que infelizmente vigora em nós. Também não investem nos seus artistas como deveria ser. A luta é quase a mesma, só que é um país mais estável economicamente, mais tranquilo”, frisou, referindo que “também há problemas nos empresários, não são sensíveis”.
“É bem verdade que nós devemos lutar para defender o nosso pão também. E tu sabes que na nossa seara muitas pessoas também não têm a devida instrução para poder, tal como no país todo, defender os seus direitos. O direito fundamental, o direito à vida, direito à liberdade. As pessoas não sabem defender isso também. Então há-de levar muito tempo”, insistiu.
Nascido a 18 de Junho de 1974, no Namibe, fez a primeira aparição em 1985, num concurso regional da Canção Infantil, no qual interpretou o tema “Queremos Paz”, da autoria do seu irmão Cândido Ananaz. Hoje, o que Walter Ananaz mais quer é paz, e afirma que é porque já não é criança. “Eu tenho 49 anos de idade, já vi muita coisa, já almejei muita coisa, almejo outras, mas das minhas prioridades, das coisas que ainda procuro buscar e melhorar é a paz, a minha paz, o meu bem-estar, e consequentemente influenciar positivamente as pessoas que giram à minha volta”, expressou.
Ele acredita que isso é fundamental, porque coisas há que lhe interessavam e que depois viu que, “tal como dizem as Escrituras, muitas coisas são mesmo vaidade, e leva um “tempão” para percebermos isso”. “Mas felizmente já tenho quase meio século, faço para o ano. E digo assim, dentro desse meio-termo, ainda sou jovem, mas um jovem adulto. Felizmente, acabei descobrindo isso. Devia ter sido um pouco mais cedo, mas nunca é tarde”, manifestou.
Lembrou por fim estar a trabalhar no seu primeiro álbum discográfico. “Eu fiz um maxi single, do qual o “Mboya” faz parte, mas foi uma experiência. Na altura não pretendia fazer nada muito parecido ao grupo, porque eu gosto de novas sonoridades a todos os níveis. E estou a trazer outras opções, sejam rítmicas, harmónicas e melódicas, também naquilo que é a própria sequência, etc. Está a ser trabalhado, espero anunciar brevemente, porque eu não tenho ainda uma data para o lançamento, mas em menos de um ano o álbum sairá”, garantiu Walter Ananaz.
O cantor angolano Walter Ananaz, que se figura grande defensor da música cultural angolana, defendeu recentemente que a arte é livre, “mas nós precisamos acoplá-la à ciência, por causa das regras que ela tem e que muitas delas são necessárias”, tendo referido que “é como as sociedades, não podemos andar no sentido contrário, há regra para tudo na vida”.
Falando como convidado do programa Taça Cheia, da Rádio Essencial, 96.1 FM, dirigido pelo jornalista Sebastião Vemba, o ex-membro do saudoso grupo N´Sexy Love, actuante nos anos 90, disse ser de uma família “mesmo musical”, e artística. “Eu acho que essa espiritualidade artística constitui a nossa riqueza, porque a arte é intelectual por excelência, porque é algo que nem todos podem fazer. E é algo que qualquer um pode consumir, sejam doutores ou quem não estudou coisa alguma. Todos esses elementos podem alcançar alguém, seja conhecedor da arte na sua maior abrangência, sua naturalidade, ou ligado à ciência”, explicou, revelando logo que os seus filhos cantam, embora não tenham pretensão de levar a música de forma profissional, mas “todos eles cantam”, além de terem outras habilidades, como desenhar, etc.
A música, como sendo um elemento muito forte de identidade e principalmente identidade do ponto de vista de patriotismo, o artista considera que muitos músicos têm actuado nesse sentido. “Porque os músicos, tirando um ou outro, alguns conseguem os seus apoios e isso é da vida”, declarou, pese embora acredite ser necessário encontrar elementos para se criar uma indústria como tal.
“Infelizmente, não é assim. Ainda tens de bater a porta aqui, apelar aos patrocinadores, etc., embora hoje tenha mudado um pouquinho, com muitas marcas hoje de bebidas, de empresas telefónicas, os bancos que também vão apoiando a cultura de alguma forma, vão-se juntando. Mas isso devia ter uma regra, haver investidores culturais, quer para a música, quer para o teatro, quer para o cinema. Se vires, tu não conheces muitos dançarinos famosos em Angola, mas nós temos pessoas que dançam a sério. Por que é que elas não são figuras? Porque elas não ganham, não sobrevivem com a dança, a dança tem que ser hobby. E isso, de alguma forma, também nos entristece”, lamentou.
No tocante à música, o cantor disse que é só olhar para as produtoras para ver o que acontece. Os músicos que fazem parte delas não conseguem ter um outro tipo de independência, é só saírem da produtora que eles não conseguem andar, “ou a produtora está atrás de ti para te deixar cair”, deplorou, tendo considerado que são essas coisas de que o país não precisa.
“Outro problema que me deixa também triste, posso manifestar aqui. Nós tínhamos conseguido vencer essa luta há algum tempo, há cerca de 17, 18 anos, em que nós começamos a consumir, aí finais de 90, princípio de 2000, muita música angolana. Hoje eu vejo que isso se inverteu”, apontou. Apesar do advento das redes sociais, que faz com que a música chegue aos telemóveis e cada um escolha o que ouvir, Walter entende que na sua casa cada um seja livre de ouvir o que quer, “mas a rádio tem que corroborar para preservar aquela que é a nossa essência”.
“A rádio tem que desempenhar esse papel, que eu posso dizer, cultural e patriótico. Defender aquilo que é nosso. Não existe um povo sem cultura, é um povo sem noção, é fraco. É como eu digo, eu não posso gostar mais da mãe do outro do que a minha mãe. Aqui tu abres uma rádio e está a tocar música brasileira. Se não for brasileira, é antilhana ou um house sul-africano. E nós já temos muita produção aqui. A nível de Hip-Hop temos muitos discos. Às vezes vão buscar músicas antilhanas de 85, 82, 83, de 89, mas nós também temos músicas de Carlos Burity desses anos, também temos músicas do kota Lamartine. Dos anos 90 temos os Versáteis, Ângelo Boss, Dom Kikas, etc. Somos muitos, Eduardo Paim, Paulo Flores, Bonga, Yuri da Cunha, e se for para os anos 2000, também temos outros, como os Kalibrados e Anselmo. Nós temos as nossas coisas, os nossos actores. Temos Ary, Yola Semedo, Matias Damásio, Mago de Sousa. Somos muitos hoje a fazer isso”, argumentou, tendo questionado então por que tem de ouvir uma rádio onde “de repente” tem, num programa de duas horas, uma hora de música estrangeira.
Adiante, o interlocutor disse que não pode ver isso, “nem pode ser só o problema do director do programa, ou coisa parecida”, mas “é consciência de quem vai tocar, porque hoje em dia, infelizmente, cada um dos jornalistas, locutores, ou DJs, nos imprimem aquilo que eles gostam em particular”, sendo que as rádios não têm, “como lá fora, compromisso com as produtoras”, onde essas pagam, porque vendem. “Não é o nosso caso. A rádio é do país. Vai para o Brasil e depois vem para aqui e me diz quantas músicas angolanas hás-de ouvir”, alertou.
Questionado sobre se acredita ser possível ou não viver só da música, o também ex-membro do agrupamento O2 defendeu não ser impossível, acreditando que há quem viva só da música e consiga de alguma forma, com muito esforço. Mas falando propriamente da nossa realidade, citou, por exemplo, que se não forem os festivais agora que a Unitel faz, não há shows aqui. “Tu não tens uma indústria, um mercado, como dizem. As pessoas não percebem. Muitas, quando começam a bater um bocado, sentem-se famosas e estão a ganhar algum dinheiro, compreendem que está tudo bem no mercado. Não se faz assim. Não se faz mercado com meia-dúzia de pessoas. Uma indústria funciona com centenas de pessoas. Tem que haver um investimento. Primeiro tem que ter acesso ao crédito. Tem que haver empresas que trabalham propriamente com cultura. Tem que haver motivação política culturalmente”, abordou, entendendo que assim como se investe no ramo das pescas, da indústria, deve-se investir na cultura, “que emprega tanta gente quanto as outras áreas”, embora reconhecendo a colagem política e até certo ponto partidária que existe.
Sobre isso, o autor de “Perdição” disse haver alguma melhoria a cada dia que passa, “porque a nossa democracia também é nova”. “Ela já começa a engatinhar. Acho que, aliás, já está em pé, está a andar, está em curso. Mas há-de levar algum tempo. A gente precisa trabalhar muito, no sentido de o mais rapidamente suplantarmos isso. Mas é como eu disse há pouco tempo. Vai levar o seu tempo. Isso é como a escravidão, os resquícios existem. As pessoas dizem que a escravidão passou há muito tempo, mas os resquícios estão aí. Muitos pretos não gostam dos pretos. No entanto, isso foi semeado lá. E a gente vê quando tu viajas, à dada altura, tu vais sofrer racismo em qualquer país se não tiveres muita sorte”, lamentou.
Noutro diapasão, o convidado considerou duvidosa a internacionalização dos músicos angolanos, sendo que cá, quando se toca no assunto, fala-se de Moçambique ou Portugal. “Os nossos problemas não diferem muito. Os nossos irmãos moçambicanos também estão a lutar, e a luta é parecida. Os artistas portugueses também estão a lutar e a luta é parecida. É um pouco daquela mentalidade que infelizmente vigora em nós. Também não investem nos seus artistas como deveria ser. A luta é quase a mesma, só que é um país mais estável economicamente, mais tranquilo”, frisou, referindo que “também há problemas nos empresários, não são sensíveis”.
“É bem verdade que nós devemos lutar para defender o nosso pão também. E tu sabes que na nossa seara muitas pessoas também não têm a devida instrução para poder, tal como no país todo, defender os seus direitos. O direito fundamental, o direito à vida, direito à liberdade. As pessoas não sabem defender isso também. Então há-de levar muito tempo”, insistiu.
Nascido a 18 de Junho de 1974, no Namibe, fez a primeira aparição em 1985, num concurso regional da Canção Infantil, no qual interpretou o tema “Queremos Paz”, da autoria do seu irmão Cândido Ananaz. Hoje, o que Walter Ananaz mais quer é paz, e afirma que é porque já não é criança. “Eu tenho 49 anos de idade, já vi muita coisa, já almejei muita coisa, almejo outras, mas das minhas prioridades, das coisas que ainda procuro buscar e melhorar é a paz, a minha paz, o meu bem-estar, e consequentemente influenciar positivamente as pessoas que giram à minha volta”, expressou.
Ele acredita que isso é fundamental, porque coisas há que lhe interessavam e que depois viu que, “tal como dizem as Escrituras, muitas coisas são mesmo vaidade, e leva um “tempão” para percebermos isso”. “Mas felizmente já tenho quase meio século, faço para o ano. E digo assim, dentro desse meio-termo, ainda sou jovem, mas um jovem adulto. Felizmente, acabei descobrindo isso. Devia ter sido um pouco mais cedo, mas nunca é tarde”, manifestou.
Lembrou por fim estar a trabalhar no seu primeiro álbum discográfico. “Eu fiz um maxi single, do qual o “Mboya” faz parte, mas foi uma experiência. Na altura não pretendia fazer nada muito parecido ao grupo, porque eu gosto de novas sonoridades a todos os níveis. E estou a trazer outras opções, sejam rítmicas, harmónicas e melódicas, também naquilo que é a própria sequência, etc. Está a ser trabalhado, espero anunciar brevemente, porque eu não tenho ainda uma data para o lançamento, mas em menos de um ano o álbum sairá”, garantiu Walter Ananaz.