Biografia

Ngũgĩ wa Thiong’o (1938–2025): Quando um escritor morre, uma biblioteca arde em silêncio

Ngũgĩ wa Thiong’o (1938–2025): Quando um escritor morre, uma biblioteca arde em silêncio
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Ngũgĩ wa Thiong’o partiu. E com ele, não foi apenas um homem que se apagou, mas um arquivo de séculos de resistência, um farol para os povos que ainda procuram a sua voz dentro do tumulto da história.

Nascido em 1938, num Quénia ferido pela ocupação britânica, cresceu entre as dores de uma terra fendida por fronteiras coloniais e as esperanças plantadas na memória da sua mãe. Era ainda jovem quando compreendeu que escrever em inglês seria, em certa medida, trair a musicalidade primária do kikuyu, sua língua de berço, sua pátria de som. Decidiu então reescrever-se. E foi isso o que fez toda a vida: escreveu-se e reescreveu o seu povo.

A prisão não o calou. Escreveu nas paredes. Escreveu nas margens. Escreveu nas costas de papéis higiénicos. Quando o exilaram, transformou a saudade em ensaio, a ausência em crítica, a dor em teatro. Mas foi sobretudo na firmeza com que recusou a lógica imperial das línguas dominantes que se ergueu como um símbolo. “Descolonizar a mente” não era apenas uma metáfora, era uma urgência. E Ngũgĩ foi o seu profeta.

Homem de múltiplos exílios, com um corpo cansado pelos anos e pela luta, regressou à sua terra já idoso, onde encontrou um país mudado, mas ainda em busca da dignidade plena que sempre defendeu. Morreu rodeado de filhos e netos, como se o seu corpo já fosse parte da terra fértil à qual tantas vezes recorreu para explicar o mundo.

Ngũgĩ não recebeu o Nobel. Mas também não o esperou. Porque o seu prémio maior foi ter sido lido, cantado, representado, traduzido e, sobretudo, lembrado. A sua morte não é apenas uma nota de rodapé para os jornais do mundo. É um momento de luto para a literatura, para a África, para as línguas que resistem à extinção e para todos aqueles que, com palavras, ousam reescrever os mapas do poder.

Hoje, a terra de Limuru cobre-o com o mesmo silêncio com que o viu nascer. Mas o kikuyu, agora indomável, continuará a cantar.

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Gilberto Tadeu

Redactor

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Ngũgĩ wa Thiong’o partiu. E com ele, não foi apenas um homem que se apagou, mas um arquivo de séculos de resistência, um farol para os povos que ainda procuram a sua voz dentro do tumulto da história.

Nascido em 1938, num Quénia ferido pela ocupação britânica, cresceu entre as dores de uma terra fendida por fronteiras coloniais e as esperanças plantadas na memória da sua mãe. Era ainda jovem quando compreendeu que escrever em inglês seria, em certa medida, trair a musicalidade primária do kikuyu, sua língua de berço, sua pátria de som. Decidiu então reescrever-se. E foi isso o que fez toda a vida: escreveu-se e reescreveu o seu povo.

A prisão não o calou. Escreveu nas paredes. Escreveu nas margens. Escreveu nas costas de papéis higiénicos. Quando o exilaram, transformou a saudade em ensaio, a ausência em crítica, a dor em teatro. Mas foi sobretudo na firmeza com que recusou a lógica imperial das línguas dominantes que se ergueu como um símbolo. “Descolonizar a mente” não era apenas uma metáfora, era uma urgência. E Ngũgĩ foi o seu profeta.

Homem de múltiplos exílios, com um corpo cansado pelos anos e pela luta, regressou à sua terra já idoso, onde encontrou um país mudado, mas ainda em busca da dignidade plena que sempre defendeu. Morreu rodeado de filhos e netos, como se o seu corpo já fosse parte da terra fértil à qual tantas vezes recorreu para explicar o mundo.

Ngũgĩ não recebeu o Nobel. Mas também não o esperou. Porque o seu prémio maior foi ter sido lido, cantado, representado, traduzido e, sobretudo, lembrado. A sua morte não é apenas uma nota de rodapé para os jornais do mundo. É um momento de luto para a literatura, para a África, para as línguas que resistem à extinção e para todos aqueles que, com palavras, ousam reescrever os mapas do poder.

Hoje, a terra de Limuru cobre-o com o mesmo silêncio com que o viu nascer. Mas o kikuyu, agora indomável, continuará a cantar.

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