Cláudio respondeu com um sorriso torto na boca, tão frouxo que mal se desenhava no rosto. Continuou a andar no modo automático até chegar a casa. Quando chegou, suspirou duas vezes enquanto tirava a chave dum dos bolsos da mochila preta empoeirada que tinha às costas.
No meio do mar de pessoas que passavam no chão de terra vermelha, lá estava ele, um homem negro como os demais, mas mais alto que a maioria e trajado dum terno preto. Os sapatos, da mesma cor e agora borrados de poeira, contavam todas as histórias vivas do passado recente, desde a sua saída até à hora de regressar a casa.
O homem, Cláudio, andava roboticamente, fora da realidade. Estava a pensar no que acontecera, no que tivera de presenciar nas primeiras horas do dia: a discussão entre o cobrador e os lotadores, uma discussão sem sentido. Os lotadores, como sempre, (cobravam um valor pela entrada voluntária dos passageiros nos táxis), os berros desenfreados enquanto chamavam os passageiros, as chatas atitudes comuns destes (estarem com notas de alto valor nas primeiras horas do dia) e as reclamações padrão dos cobradores: "Vocês já não ouvem? Porra! Assim vou tirar dinheiro trocado onde?". Cláudio estava chateado com tudo isso. Mas o que podia ele fazer além de continuar a trabalhar e juntar o pouco dinheiro que sobrava depois de descontar todos os custos? Cláudio estava farto. Tão farto que mal se apercebia das pessoas conhecidas que lhe saudavam. Andava com a cabeça erguida, com os olhos abertos e ainda assim não via nada. Estava borrado pelas lembranças do dia; os restantes sentidos eram como os olhos, cegos para o mundo real.
Só depois de berrarem o seu nome mais de uma vez é que ele saiu das lembranças chatas do dia: "Wy, estás bué distraído, é o quê?" – um amigo disse-lhe. "Nada, só mesmo cansaço" – Cláudio respondeu com um sorriso torto na boca, tão frouxo que mal se desenhava no rosto. Continuou a andar no modo automático até chegar a casa. Quando chegou, suspirou duas vezes enquanto tirava a chave dum dos bolsos da mochila preta empoeirada que tinha às costas. Ela estava suja; fazia tempo que Cláudio não a lavava (por pura preguiça). Com a mão esquerda procurava a chave de casa, vasculhava entre as inúmeras coisas que tinha no mesmo bolso: uma garrafa de água vazia, algumas lapiseiras, um pacote de bolachas e outras coisas. Depois de segundos de procura, Cláudio retirou o porta-chaves com três chaves penduradas nele. Estava tão aborrecido que as favas eram o som ambiente – quando o barulho da vizinhança não as abafava. Claro! Logo abriu o portão que, há algumas semanas, era completamente branco, quando decidira pintá-lo num sábado tranquilo e com pouco sol. Naquele dia, Cláudio estava tão animado: tinha conseguido ganhar um dinheiro a mais, era o último dia daquela semana, mas também foi o primeiro dia em que recebeu um montão de elogios pelo excelente trabalho que fez corrigindo erros do manuscrito do seu amigo escritor. Como recompensa, foi recomendado a outros do ciclo de artistas literários. Significava mais trabalho, mas também mais dinheiro, o que era bom para ele.
Cláudio deu os primeiros passos para dentro e fechou o portão de forma instinta. Deu mais dois passos e abriu o gradim que antecedia a porta de acesso à sala. Destrancou tudo tão rápido e, quando entrou, atirou-se para o cadeirão que ficava alguns centímetros atrás da porta. Com a mochila nas costas, Cláudio sentiu desconforto e retirou-a. Ficou alguns minutos parado a pensar e pensar, sem tréguas. Neste momento, Cláudio queria que a sua vida desse alguns pulos para o futuro, tal como nos filmes, séries ou até novelas. Assim, viveria apenas os momentos bons que tanto desejava. Mas isso estava fora da realidade. O estômago fez questão de lhe lembrar: a barriga roncou tão alto que era impossível ignorar. Na sala pequena com poucos móveis (um cadeirão, uma mesa pequena, uma televisão colada à parede...) estava apenas ele, preso nesse deserto ensolarado pela lâmpada incandescente centralizada no teto de chapa.
Cláudio levantou-se e foi preparar a refeição da noite. Comia bolachas no tempo que levava para a comida ficar pronta. O mastigar bruto de Cláudio era o som ambiente, um milagre para o jovem sonhador – normalmente os vizinhos faziam tanto barulho que era quase impossível para Cláudio descansar em paz. O jantar já estava pronto. Cláudio voltou ao cadeirão, desta vez sem os sapatos pretos empoeirados; usava chinelos avainas. Tinha a comida quente na bandeja, e a bandeja no seu colo. Uma mão servia para dar colheradas na comida, a outra para mexer no telefone. Assistia a vídeos engraçados, lia *memes* e invejava outros jovens que exibiam as suas conquistas nas redes sociais.
A noite foi e veio do mesmo jeito que começara para Cláudio: cansada. Mas ele continuava com a cara voltada ao telefone, apesar dos olhos traírem a vontade de continuar acordado e o pescoço ceder de vez em quando.
Cláudio respondeu com um sorriso torto na boca, tão frouxo que mal se desenhava no rosto. Continuou a andar no modo automático até chegar a casa. Quando chegou, suspirou duas vezes enquanto tirava a chave dum dos bolsos da mochila preta empoeirada que tinha às costas.
No meio do mar de pessoas que passavam no chão de terra vermelha, lá estava ele, um homem negro como os demais, mas mais alto que a maioria e trajado dum terno preto. Os sapatos, da mesma cor e agora borrados de poeira, contavam todas as histórias vivas do passado recente, desde a sua saída até à hora de regressar a casa.
O homem, Cláudio, andava roboticamente, fora da realidade. Estava a pensar no que acontecera, no que tivera de presenciar nas primeiras horas do dia: a discussão entre o cobrador e os lotadores, uma discussão sem sentido. Os lotadores, como sempre, (cobravam um valor pela entrada voluntária dos passageiros nos táxis), os berros desenfreados enquanto chamavam os passageiros, as chatas atitudes comuns destes (estarem com notas de alto valor nas primeiras horas do dia) e as reclamações padrão dos cobradores: "Vocês já não ouvem? Porra! Assim vou tirar dinheiro trocado onde?". Cláudio estava chateado com tudo isso. Mas o que podia ele fazer além de continuar a trabalhar e juntar o pouco dinheiro que sobrava depois de descontar todos os custos? Cláudio estava farto. Tão farto que mal se apercebia das pessoas conhecidas que lhe saudavam. Andava com a cabeça erguida, com os olhos abertos e ainda assim não via nada. Estava borrado pelas lembranças do dia; os restantes sentidos eram como os olhos, cegos para o mundo real.
Só depois de berrarem o seu nome mais de uma vez é que ele saiu das lembranças chatas do dia: "Wy, estás bué distraído, é o quê?" – um amigo disse-lhe. "Nada, só mesmo cansaço" – Cláudio respondeu com um sorriso torto na boca, tão frouxo que mal se desenhava no rosto. Continuou a andar no modo automático até chegar a casa. Quando chegou, suspirou duas vezes enquanto tirava a chave dum dos bolsos da mochila preta empoeirada que tinha às costas. Ela estava suja; fazia tempo que Cláudio não a lavava (por pura preguiça). Com a mão esquerda procurava a chave de casa, vasculhava entre as inúmeras coisas que tinha no mesmo bolso: uma garrafa de água vazia, algumas lapiseiras, um pacote de bolachas e outras coisas. Depois de segundos de procura, Cláudio retirou o porta-chaves com três chaves penduradas nele. Estava tão aborrecido que as favas eram o som ambiente – quando o barulho da vizinhança não as abafava. Claro! Logo abriu o portão que, há algumas semanas, era completamente branco, quando decidira pintá-lo num sábado tranquilo e com pouco sol. Naquele dia, Cláudio estava tão animado: tinha conseguido ganhar um dinheiro a mais, era o último dia daquela semana, mas também foi o primeiro dia em que recebeu um montão de elogios pelo excelente trabalho que fez corrigindo erros do manuscrito do seu amigo escritor. Como recompensa, foi recomendado a outros do ciclo de artistas literários. Significava mais trabalho, mas também mais dinheiro, o que era bom para ele.
Cláudio deu os primeiros passos para dentro e fechou o portão de forma instinta. Deu mais dois passos e abriu o gradim que antecedia a porta de acesso à sala. Destrancou tudo tão rápido e, quando entrou, atirou-se para o cadeirão que ficava alguns centímetros atrás da porta. Com a mochila nas costas, Cláudio sentiu desconforto e retirou-a. Ficou alguns minutos parado a pensar e pensar, sem tréguas. Neste momento, Cláudio queria que a sua vida desse alguns pulos para o futuro, tal como nos filmes, séries ou até novelas. Assim, viveria apenas os momentos bons que tanto desejava. Mas isso estava fora da realidade. O estômago fez questão de lhe lembrar: a barriga roncou tão alto que era impossível ignorar. Na sala pequena com poucos móveis (um cadeirão, uma mesa pequena, uma televisão colada à parede...) estava apenas ele, preso nesse deserto ensolarado pela lâmpada incandescente centralizada no teto de chapa.
Cláudio levantou-se e foi preparar a refeição da noite. Comia bolachas no tempo que levava para a comida ficar pronta. O mastigar bruto de Cláudio era o som ambiente, um milagre para o jovem sonhador – normalmente os vizinhos faziam tanto barulho que era quase impossível para Cláudio descansar em paz. O jantar já estava pronto. Cláudio voltou ao cadeirão, desta vez sem os sapatos pretos empoeirados; usava chinelos avainas. Tinha a comida quente na bandeja, e a bandeja no seu colo. Uma mão servia para dar colheradas na comida, a outra para mexer no telefone. Assistia a vídeos engraçados, lia *memes* e invejava outros jovens que exibiam as suas conquistas nas redes sociais.
A noite foi e veio do mesmo jeito que começara para Cláudio: cansada. Mas ele continuava com a cara voltada ao telefone, apesar dos olhos traírem a vontade de continuar acordado e o pescoço ceder de vez em quando.