Actualidade
Crítica

“Não podemos permitir que a Educação continue a ser tratada como um sector subalterno”, afirmou presidente do SINPROF

“Não podemos permitir que a Educação continue a ser tratada como um sector subalterno”, afirmou presidente do SINPROF
Foto por:
vídeo por:
DR

O presidente do Sindicato Nacional de Professores (SINPROF), Guilherme Silva, afirmou recentemente que a organização que dirige não “pode permitir que o sector da Educação continue a ser tratado como um sector subalterno por quem tem a responsabilidade de o valorizar”, porque quando se despoletou a crise pandémica que colocou de forma escancarada os descasos com a Educação, “o SINPROF desenvolveu um trabalho aturado, percorrendo a maioria das escolas deste país”, tendo apresentado resultados que foram ignorados.

Falando por ocasião da IV Reunião Nacional da instituição, decorrida na semana passada, em Luanda, o dirigente, durante o discurso de abertura do encontro, a que tivemos acesso, fez saber que os desafios que se colocam à sua actividade continuam a ser grandes.  Por esse motivo, defendeu, é preciso que cada um dos sindicalistas, onde está, continue compenetrado da missão que livremente abraçou.

“Nunca é demais lembrar que o sindicalismo é uma actividade filantrópica por excelência. Preocupam-nos, pois, os sinais que recebemos um pouco pelo país de ausência de compromisso de alguns dos nossos líderes sindicais. Quem abraçou o sindicalismo por outras razões que não sejam as de defender as aspirações da classe trabalhadora, ainda vai a tempo de encontrar a sua verdadeira vocação. Quem abraça o sindicalismo não pode esperar recompensas. Aliás, a maior das recompensas no sindicalismo é ver os problemas daqueles que defendemos resolvidos”, advertiu.

Guilherme Silva disse ainda que houve até quem os tenha chamado nomes, para não variar. Declarou que o SINPROF produziu um estudo divulgado no Lubango numa conferência que denominou “A Covid e a Educação”, que visou apresentar os resultados do seu trabalho, mas, sobretudo, aquilo que deve ser feito para mudar o quadro. Contudo, ninguém prestou atenção ao grupo, lamentou, nem mesmo o próprio Ministério da Educação (MED) que foi convidado e tomou parte do evento ao mais alto nível.

Curiosamente, revelou o presidente, o próprio MED, numa acção conjunta com o UNICEF, realizou um estudo similar e, como amostra objecto de estudo, foi constituída pelos mesmos actores, por mais que os métodos tenham sido diferentes, os resultados foram obviamente os mesmos, como se pôde constatar aquando da apresentação dos resultados. “Portanto, deram-nos razão. Mas não é isso que está em jogo. Nós não precisávamos da Covid-19 para abrir os nossos olhos sobre como a nossa Educação anda tão mal, porque nós vivemos a realidade das nossas escolas na primeira pessoa. O país deve ter vergonha de ter a educação que tem, vinte anos depois de ter alcançado a paz das armas”, criticou.

O responsável sindical lembrou também que no seu último discurso sobre Estado da Nação o Presidente da República disse que o seu Executivo vai aprovar um subsídio de isolamento ou periferia para estimular os professores que trabalham nas zonas mais recônditas. “Se por um lado o senhor Presidente da República esteve bem ao fazer este anúncio, por outro, precisamos dizer que os discursos não enchem barrigas e nem resolvem os nossos problemas. Quem tiver a paciência de revisitar os nossos cadernos reivindicativos facilmente perceberá que nós propusemos e discutimos este assunto com o Governo faz muitos anos”, avançou.

Adiante, observou que a justificação é sempre de ordem legal como se houvesse alguma dificuldade de fazer aprovar leis neste país, tendo reforçado para se perguntar aos administradores municipais que situações têm passado para manter os professores nos municípios que controlam, quantos processos de transferência têm sobre as suas mesas de professores que com justa razão fogem das zonas recônditas para se fixarem nas capitais de província, porque lá vivem em condições inóspitas.

“Quem como os professores da localidade da Nkhambuka, no município dos Gambos, na província da Huíla, só para citar esse exemplo, que vivem num espaço que mais se assemelha a um curral de animais e que as vezes estão sujeitos a ficar três dias sem tomar banho por falta de água, estaria em condições de permanecer numa localidade com aquelas condições?”, questionou Guilherme Silva, asseverando que a aprovação do subsídio de isolamento e a criação de condições de habitabilidade nas comunidades fora dos centros urbanos é algo que já não pode esperar.

A construção de escolas nas localidades recônditas, por outro lado, deve ser acompanhada da construção de residências para acomodar os professores, para se evitar cenários tristes um pouco espalhados pelo país, onde professoras e professores partilham um único quarto como dormitório, ou ainda as próprias salas de aulas servirem de local de trabalho durante o dia e de dormitório para os professores durante a noite. “É uma pouca vergonha”, refutou, tendo questionado que mal os professores fizeram para merecer tamanho desprezo.

“O professor precisa de tempo e de espaço para poder realizar a sua actividade”

O professor precisa de conhecer melhor cada um dos seus alunos para melhor os poder atender e precisa de tempo e de espaço para poder realizar a sua actividade. Essas são ainda palavras do gestor, que esclarece que a composição das turmas que fazem das salas de aulas verdadeiros mercados informais torna impraticável a acção do professor. Não é possível exigir bons resultados a um professor que trabalha com turmas numerosas, frisou, tendo destacado ser urgente a construção de mais escolas e a contratação de mais professores.

“Há dois anos, como resultado da nossa luta, foi extinta a monodocência na quinta e sexta classes. Entretanto, o diploma remete para uma regulamentação que tarda a chegar. Há quem não esteja preocupado com isso. Mas é bom lembrar que continuamos a ter os mesmos professores sem preparação para trabalhar com a 5ª ou 6ª classe em regime de monodocência. Há oito anos foi o próprio MED que reconheceu no seu relatório que a monodocência era dos pontos de estrangulamento da reforma educativa que o país conheceu até 2014. Ainda mais numa realidade em que mais de 70% de professores que actuam no ensino primário não têm preparação para actuar neste nível, segundo um estudo por nós realizado no âmbito do projecto Sikola, que visou potenciar professores que actuam no ensino primário. Urge, portanto, corrigir este mal”, argumentou.

Entretanto, o responsável garantiu que o Conselho vai aprovar o cronograma da greve já deliberada pelos secretários provinciais no dia 16 de Julho último, embora não seja vontade do sindicato continuar a trilhar por este caminho. A organização não existe para fazer greves, gostaria de ter uma relação de parceria com o Executivo que resultasse na resolução dos problemas dos associados apenas por via do diálogo.

Mas enquanto as questões como o IRT, os salários, as condições de trabalho, entre outras, não conhecerem outros desenvolvimentos a contento dos professores, não restará outra opção senão a de accionar os mecanismos que a Constituição e as leis ordinárias colocam à sua disposição, avançou, lembrando que não se faz Educação de qualidade sem dinheiro.

“Pensar-se que se pode alavancar o sector da Educação com a fatia orçamental que o Executivo dedica à Educação é pura utopia. Aliás, a iniciativa do Secretário Geral das Nações Unidas sobre a transformação da Educação visa exatamente chamar a atenção dos países no sentido de colocarem as questões da Educação no topo das suas agendas. Nunca é demais recordar que Angola é dos países que menos investe na Educação quer ao nível da SADC, quer ao nível dos PALOP. Nos últimos cinco anos o Executivo investiu em média apenas 6,25% do seu orçamento para a Educação, quando previa investir uma média de 16,5%”, explicou, clareando que a expectativa é que, neste orçamento em construção para o ano económico 2023, o Executivo seja um pouco mais ousado e atribua ao sector pelo menos dois dígitos do seu orçamento à Educação.

Todavia, se o Executivo continuar a pensar que destinar dinheiro à Educação é um gasto e não um investimento para o presente e o futuro deste país, é óbvio que continuaremos a ter escolas sem giz, sem casas de banho, sem pessoal de apoio educativo, sem material gastável, sem carteiras, sem professores, com turmas numerosas, com salas de aulas ao relento, com professores cuja formação inicial e contínua é deficiente, sem uma reforma curricular digna deste nome, enfim, continuaremos a ter um sector da Educação órfão e carente de tudo, alertou.

6galeria

Andrade Lino

Jornalista

Estudante de Língua Portuguesa e Comunicação, amante de artes visuais, música e poesia.

O presidente do Sindicato Nacional de Professores (SINPROF), Guilherme Silva, afirmou recentemente que a organização que dirige não “pode permitir que o sector da Educação continue a ser tratado como um sector subalterno por quem tem a responsabilidade de o valorizar”, porque quando se despoletou a crise pandémica que colocou de forma escancarada os descasos com a Educação, “o SINPROF desenvolveu um trabalho aturado, percorrendo a maioria das escolas deste país”, tendo apresentado resultados que foram ignorados.

Falando por ocasião da IV Reunião Nacional da instituição, decorrida na semana passada, em Luanda, o dirigente, durante o discurso de abertura do encontro, a que tivemos acesso, fez saber que os desafios que se colocam à sua actividade continuam a ser grandes.  Por esse motivo, defendeu, é preciso que cada um dos sindicalistas, onde está, continue compenetrado da missão que livremente abraçou.

“Nunca é demais lembrar que o sindicalismo é uma actividade filantrópica por excelência. Preocupam-nos, pois, os sinais que recebemos um pouco pelo país de ausência de compromisso de alguns dos nossos líderes sindicais. Quem abraçou o sindicalismo por outras razões que não sejam as de defender as aspirações da classe trabalhadora, ainda vai a tempo de encontrar a sua verdadeira vocação. Quem abraça o sindicalismo não pode esperar recompensas. Aliás, a maior das recompensas no sindicalismo é ver os problemas daqueles que defendemos resolvidos”, advertiu.

Guilherme Silva disse ainda que houve até quem os tenha chamado nomes, para não variar. Declarou que o SINPROF produziu um estudo divulgado no Lubango numa conferência que denominou “A Covid e a Educação”, que visou apresentar os resultados do seu trabalho, mas, sobretudo, aquilo que deve ser feito para mudar o quadro. Contudo, ninguém prestou atenção ao grupo, lamentou, nem mesmo o próprio Ministério da Educação (MED) que foi convidado e tomou parte do evento ao mais alto nível.

Curiosamente, revelou o presidente, o próprio MED, numa acção conjunta com o UNICEF, realizou um estudo similar e, como amostra objecto de estudo, foi constituída pelos mesmos actores, por mais que os métodos tenham sido diferentes, os resultados foram obviamente os mesmos, como se pôde constatar aquando da apresentação dos resultados. “Portanto, deram-nos razão. Mas não é isso que está em jogo. Nós não precisávamos da Covid-19 para abrir os nossos olhos sobre como a nossa Educação anda tão mal, porque nós vivemos a realidade das nossas escolas na primeira pessoa. O país deve ter vergonha de ter a educação que tem, vinte anos depois de ter alcançado a paz das armas”, criticou.

O responsável sindical lembrou também que no seu último discurso sobre Estado da Nação o Presidente da República disse que o seu Executivo vai aprovar um subsídio de isolamento ou periferia para estimular os professores que trabalham nas zonas mais recônditas. “Se por um lado o senhor Presidente da República esteve bem ao fazer este anúncio, por outro, precisamos dizer que os discursos não enchem barrigas e nem resolvem os nossos problemas. Quem tiver a paciência de revisitar os nossos cadernos reivindicativos facilmente perceberá que nós propusemos e discutimos este assunto com o Governo faz muitos anos”, avançou.

Adiante, observou que a justificação é sempre de ordem legal como se houvesse alguma dificuldade de fazer aprovar leis neste país, tendo reforçado para se perguntar aos administradores municipais que situações têm passado para manter os professores nos municípios que controlam, quantos processos de transferência têm sobre as suas mesas de professores que com justa razão fogem das zonas recônditas para se fixarem nas capitais de província, porque lá vivem em condições inóspitas.

“Quem como os professores da localidade da Nkhambuka, no município dos Gambos, na província da Huíla, só para citar esse exemplo, que vivem num espaço que mais se assemelha a um curral de animais e que as vezes estão sujeitos a ficar três dias sem tomar banho por falta de água, estaria em condições de permanecer numa localidade com aquelas condições?”, questionou Guilherme Silva, asseverando que a aprovação do subsídio de isolamento e a criação de condições de habitabilidade nas comunidades fora dos centros urbanos é algo que já não pode esperar.

A construção de escolas nas localidades recônditas, por outro lado, deve ser acompanhada da construção de residências para acomodar os professores, para se evitar cenários tristes um pouco espalhados pelo país, onde professoras e professores partilham um único quarto como dormitório, ou ainda as próprias salas de aulas servirem de local de trabalho durante o dia e de dormitório para os professores durante a noite. “É uma pouca vergonha”, refutou, tendo questionado que mal os professores fizeram para merecer tamanho desprezo.

“O professor precisa de tempo e de espaço para poder realizar a sua actividade”

O professor precisa de conhecer melhor cada um dos seus alunos para melhor os poder atender e precisa de tempo e de espaço para poder realizar a sua actividade. Essas são ainda palavras do gestor, que esclarece que a composição das turmas que fazem das salas de aulas verdadeiros mercados informais torna impraticável a acção do professor. Não é possível exigir bons resultados a um professor que trabalha com turmas numerosas, frisou, tendo destacado ser urgente a construção de mais escolas e a contratação de mais professores.

“Há dois anos, como resultado da nossa luta, foi extinta a monodocência na quinta e sexta classes. Entretanto, o diploma remete para uma regulamentação que tarda a chegar. Há quem não esteja preocupado com isso. Mas é bom lembrar que continuamos a ter os mesmos professores sem preparação para trabalhar com a 5ª ou 6ª classe em regime de monodocência. Há oito anos foi o próprio MED que reconheceu no seu relatório que a monodocência era dos pontos de estrangulamento da reforma educativa que o país conheceu até 2014. Ainda mais numa realidade em que mais de 70% de professores que actuam no ensino primário não têm preparação para actuar neste nível, segundo um estudo por nós realizado no âmbito do projecto Sikola, que visou potenciar professores que actuam no ensino primário. Urge, portanto, corrigir este mal”, argumentou.

Entretanto, o responsável garantiu que o Conselho vai aprovar o cronograma da greve já deliberada pelos secretários provinciais no dia 16 de Julho último, embora não seja vontade do sindicato continuar a trilhar por este caminho. A organização não existe para fazer greves, gostaria de ter uma relação de parceria com o Executivo que resultasse na resolução dos problemas dos associados apenas por via do diálogo.

Mas enquanto as questões como o IRT, os salários, as condições de trabalho, entre outras, não conhecerem outros desenvolvimentos a contento dos professores, não restará outra opção senão a de accionar os mecanismos que a Constituição e as leis ordinárias colocam à sua disposição, avançou, lembrando que não se faz Educação de qualidade sem dinheiro.

“Pensar-se que se pode alavancar o sector da Educação com a fatia orçamental que o Executivo dedica à Educação é pura utopia. Aliás, a iniciativa do Secretário Geral das Nações Unidas sobre a transformação da Educação visa exatamente chamar a atenção dos países no sentido de colocarem as questões da Educação no topo das suas agendas. Nunca é demais recordar que Angola é dos países que menos investe na Educação quer ao nível da SADC, quer ao nível dos PALOP. Nos últimos cinco anos o Executivo investiu em média apenas 6,25% do seu orçamento para a Educação, quando previa investir uma média de 16,5%”, explicou, clareando que a expectativa é que, neste orçamento em construção para o ano económico 2023, o Executivo seja um pouco mais ousado e atribua ao sector pelo menos dois dígitos do seu orçamento à Educação.

Todavia, se o Executivo continuar a pensar que destinar dinheiro à Educação é um gasto e não um investimento para o presente e o futuro deste país, é óbvio que continuaremos a ter escolas sem giz, sem casas de banho, sem pessoal de apoio educativo, sem material gastável, sem carteiras, sem professores, com turmas numerosas, com salas de aulas ao relento, com professores cuja formação inicial e contínua é deficiente, sem uma reforma curricular digna deste nome, enfim, continuaremos a ter um sector da Educação órfão e carente de tudo, alertou.

6galeria

Artigos relacionados

Thank you! Your submission has been received!
Oops! Something went wrong while submitting the form